quinta-feira, 15 de março de 2012

“Não sou um craque”: a fragilidade emocional do jogador de futebol e o tratamento como produto
O sensível discurso de Matías Deferico é simbólico. Como superar um período de dúvidas e de baixa autoestima e qual é o papel do treinador nesse processo?
Bruno Camarão
Em 2009, o Corinthians contratou o argentino Matías Defederico, que havia sido destaque do campeonato daquele país defendendo o Huracán. Ele carragava um status midiático emplacado por alguns jornalistas que sinalizava um patamar relevante: o jovem foi apelidado de "o novo Messi". Três anos depois, uma autoavaliação sincera e até um pouco dura. E Defederico busca se reencontrar e, quem sabe, voltar a ser o que foi. Ou o que imaginou que poderia ser.
"Os bons jogadores aparecem nas dificuldades, então me dei conta de que não sou um craque", comentou. "Passaram-se vários anos da minha saída do Huracán e nunca encontrei respostas para a baixa que tive. Creio que o único diferenciado daquela equipe era o (Javier) Pastore, que agora está no Paris Saint-Germain", admitiu, enaltecendo o seu ex-parceiro que hoje atua no futebol europeu e na seleção principal.
Após alguns problemas de adaptação, o argentino retornou ao seu país natal, por empréstimo, e foi defender o Independiente, clube no qual, revelou, sempre quis jogar por ter sido torcedor de infância do mesmo. Mas as coisas novamente não saíram como Defederico previa. Entre más atuações e um desempenho irregular, o meia-atacante passou a ser preterido de muitas convocações para as partidas oficiais. Quando tinha oportunidade de começar entre os 11 titulares, era sacado antes do fim, com a companhia de vaias e insultos provenientes das arquibancadas.
Ao diário Olé Deportivo, em uma entrevista, Defederico revelou não entender a razão pela queda abrupta de produção em tão pouco tempo e se colocou em xeque, dizendo não ter certeza de que o seu verdadeiro nível era aquele exposto no Huracán: "Não acredito que possa voltar a jogar como naquela época", lamentou.
Defederico tem contrato com o Corinthians até agosto de 2013. Seria possível ainda desenvolvimento de um trabalho de ordem psicológica, integrado às outras esferas técnico-científicas, em uma tentativa de retomada de uma condição inicial que se mostrava brilhante? Para especialistas naquela área, a resposta é positiva.


 
Camile Pasqualotto Lewczynski, pós-graduada em Psicologia do Esporte, justifica o posicionamento do jogador dentro de mundo cada vez mais competitivo, no qual a imagem vale tanto ou mais do que o próprio desempenho dentro de campo. E mais: sem tempo para um amadurecimento completo, uma superação paulatina de etapas e de problemas pessoais recorrentes, sendo o imediatismo a mola condutora das ações sociais.
“Para alguns atletas, esta pressão pode ser positiva, mas não parece ser o caso do jovem Defederico. Para pessoas com o temperamento dele, um jogo ruim, vaias, críticas negativas vão abalando a confiança e a autoestima deixando a pessoa tensa em campo. E numa situação destas, é muito mais difícil conseguir mostrar tudo que se sabe”, avalia Camile, com a devida ponderação reflexiva por não conhecer a fundo o atleta, bem como o histórico do mesmo.
Tal campo de tensão, do temor pelo erro ou por não atender as expectativas, continua ela, faz com que haja um bloqueio da espontaneidade criativa que havia antes de Defederico receber o título comparativo a Messi, craque do Barcelona.
“Quando pensamos na declaração de que o outro colega foi para o Paris Saint-Germain e ele não – então não deve ser tão bom – também fica claro para Defederico que nos considerados maiores clubes do mundo só jogam os melhores jogadores e por isso ele não deve ser bom o suficiente. Reforçando mais uma vez tudo que falam dele no dia a dia, aquilo que ele não consegue executar, reforçando para si que realmente não era tudo isto, quando na verdade pode não ser”, compara Camile.
Uma vez que o atleta já viveu momentos tão bons, está provada sua condição para atingir esse nível: é desta maneira que pensa Anahy Couto, psicóloga que há quase 15 anos é responsável pela preparação emocional, pela atitude e pelo alcance do alto rendimento de times e atletas.
 

"As duas faces da sinceridade": uma análise reflexiva do argentino Marcelo Ducart, docente em Epistemología, Educação e Educação Física

“Algo aconteceu que lhe gerou uma queda. Acontece em muitos casos de jovens atletas que despontam e param de crescer porque realmente chegaram em seu limite físico ou técnico. Neste caso, estamos falando de uma queda e não de uma estagnação, correto?”, pontua.
Anahy acredita que seja de extrema importância um acompanhamento psicológico, pois para uma reação em busca do crescimento é fundamental o atleta mudar a crença que tem hoje que o deixa em dúvida sobre sua capacidade. “Se ele continuar a não acreditar em si próprio, será muito mais difícil uma resposta positiva”, sintetiza.
Outra aspecto importante é se este atleta joga em uma equipe onde possui a confiança das pessoas e do treinador e está encorajado a atuar com prazer e em busca da melhora, passo a passo. O ideal seria recomeçar a construir um caminho sem ansiedade e com um único foco: o crescimento de Defederico.
Na mesma linha caminha outra referência da Psicologia do Esporte. Suzy Fleury, que também é coach, palestrante e fundadora da “Academia Emocional”, enxerga no relato do jovem, claramente, a fragilidade emocional em que se encontra – “no momento e que pode ser revertida” –, ou seja, a capacidade de enfrentar desafios, resolver problemas e ter uma atitude mental mais positiva está vulnerável. A sugestão, também, é um aporte da própria comissão técnica.
“O treinador tem um papel fundamental nesse momento porque é ele quem está no ‘comando’ das orientações e decisões. Lembra o perfil do Telê Santana? Ele sempre ia além das quatro linhas do campo e assumia a responsabilidade por parte da formação do caráter de seus atletas e isso fazia toda a diferença do mundo”, argumenta Suzy, que não detecta mais técnicos com a consciência de responsabilidade do ex-comandante de Atlético-MG, Fluminense, São Paulo e seleção brasileira.
“Isso me incomoda profundamente, me machuca a ponto de evitar alguns convites para trabalhos voltados exclusivamente a ‘ajudar o placar’ porque o esporte, como origem e valor, é uma atividade que nasceu como fonte de educação exercício de valores e cidadania”, completa a psicóloga.
Fonte; Universidade do futebol

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