sexta-feira, 13 de junho de 2008

Polícia liberta empregada de cárcere privado

11/06/2008 Fonte: Correio da Bahia
Gabriela Silva viveu dos 11 aos 25 anos em regime de escravidão na casa de uma professora, em Itapuã

Por: Marcelo Brandão
Um caso chocante de trabalho escravo, agressões físicas e maus-tratos contra uma empregada doméstica baiana, descoberto após denúncia anônima à Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) da Presidência da República, em Brasília, veio à tona ontem, quando a jovem Gabriela de Jesus Silva, 25 anos, foi resgatada pela polícia. Ela contou que era obrigada a trabalhar sem remuneração, sofria constantes espancamentos e era mantida em cárcere privado, na casa da professora Maria Helena Silva, no bairro de Itapuã, onde morava desde que foi doada pelos pais, aos 11 anos.

“Eu apanhava de vassoura, de cinto, era enforcada, recebia beliscões e tapa no rosto de dona Maria Helena, do marido dela (José Carlos Carreiro Silva) e de suas duas filhas (Fabiane e Juliane)”, declarou Gabriela, chorando copiosamente. Conduzida à 12a Delegacia (Itapuã), a professora negou as acusações de agressão física e de maus-tratos, mas confessou que não pagava salário nem permitia que a jovem saísse de casa. A delegada Francineide Moura, titular da unidade, informou que vai apurar as denúncias durante inquérito policial, com previsão de conclusão em 30 dias.

Gabriela disse, em depoimento à polícia, que foi doada a Maria Helena pelos pais, quando ainda era criança. Ela não soube precisar a idade, mas acredita que tinha entre 11 e 14 anos à época. Contou que morava na zona rural do município Cansanção, distante 341km de Salvador, quando foi entregue pelo pai Godofredo à professora, que teria prometido cuidar bem dela e colocá-la para estudar. Mas o sonho de ir ao colégio durou pouco. Apesar de Maria Helena ser pedagoga e trabalhar em uma escola, Gabriela afirmou só ter freqüentado as aulas durante alguns dias. Em todo tempo que morou em Salvador, ela só viu a família uma vez, quando a patroa viajou para o interior e a levou.

Em vez de lidar com deveres de casa, Gabriela teve que se dedicar exclusivamente às tarefas domésticas. Trocando o lápis pela vassoura e o livro pelo esfregão, a jovem acabou analfabeta. Ela acrescenta que costumava acordar às 4h para preparar o café de uma das filhas da patroa, que saía cedo para trabalhar, e só dormia por volta da meia-noite. “Eu não estudava pela manhã porque tinha que fazer o almoço e pela noite, dona Helena não deixava eu ir porque dizia que era perigoso”.

Apesar de fazer todo serviço na casa, Gabriela afirma nunca ter recebido qualquer pagamento pelo trabalho – ganhava apenas comida, um colchonete para dormir no chão e roupas escolhidas e compradas pela patroa. “Ela nunca me pagou, só o filho dela, Júnior, que ficava com pena de mim e me dava umas moedas que eu juntava”, declarou.

Maria Helena tentou justificar, junto à delegada Francineide Moura, nunca ter pago salário a Gabriela porque ela não seria empregada e sim “uma filha”. Mas, apesar de morar em uma casa grande, com dois andares e jardim, a professora não tinha outra pessoa para cuidar dos serviços domésticos. Para agravar a situação, Gabriela conta que, por cerca de 14 anos, nunca saiu de casa sozinha, sequer para ia à esquina. “Eu tinha vontade de fazer amigos, de poder ir à praia e sair para passear, mas dona Helena nunca deixava”. Maria Helena alegou que não permitia que Gabriela saísse porque ela “sofre de problemas mentais”. A explicação soa contraditória, uma vez que era Gabriela quem tomava conta de uma neta da professora, de apenas 7 anos, enquanto todo mundo da casa saía para trabalhar e estudar.
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Agressões físicas e psicológicas
A jovem Gabriela de Jesus Silva também denunciou que sofreu maus-tratos, agressões físicas e psicológicas na casa da professora Maria Helena Silva. Ela contou que apanhou durante todo tempo em que viveu na residência, sofrendo agressões principalmente de Maria Helena, mas também do marido José Carlos e até das duas filhas adultas do casal, Juliane e Fabiane. A jovem isentou apenas Júnior, que teria pena dela.

“Ela dizia que eu era pobre e pobre tinha que sofrer mesmo e tinha que apanhar”, declarou Gabriela. Ela mostrou algumas cicatrizes pelo corpo, que teriam sido causadas pelas agressões. “Quem mais me batia era dona Helena, me batia de vassoura, puxava meus cabelos, me beliscava. Quando ela não estava trabalhando, me perseguia o tempo todo”. A professora negou as agressões, mas quando ficou frente a frente com Maria Helena, Gabriela, chorando sem parar, confirmou que apanhava constantemente.

Além dos maus-tratos físicos, Gabriela revelou que sofria ameaças e pressão psicológica. “Dona Helena dizia que se eu fugisse, ela iria me achar onde eu estivesse e que eu ia apanhar muito, porque ela tinha vários conhecidos na polícia”. A jovem relatou que arrumava a casa toda, mas, algumas vezes, quando os patrões chegavam, não gostavam do serviço e brigavam, batiam e a humilhavam muito.

“Dona Helena dizia que eu não servia para nada, dizia que só as filhas dela podiam estudar e que eu não tinha capacidade”, contou a jovem. Ela agradeceu a pessoa que denunciou o que vinha sofrendo, mas não soube dizer quem pode ter sido, já que o medo a impediu de pedir socorro. Quando questionada sobre o que pretendia fazer a partir de agora, Gabriela respondeu: “Quero ficar em Salvador para estudar, no futuro tentar fazer uma faculdade e mostrar para dona Helena que eu consigo. Eu quero tentar ser feliz, porque acho que todo mundo tem direito”.

Fonte: Correio da Bahia

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